«A especialização dos empresários é o fator determinante para a sustentabilidade da produção de Pequenos Frutos», Pedro Brás de Oliveira, INIAV

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Pedro Brás de Oliveira, investigador do Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária e membro da comissão científica e organizadora do VI Colóquio Nacional da Produção de Pequenos Frutos (VINPPF), afirma que a disponibilidade de água e mão-de-obra vão condicionar todas as decisões de investimento neste setor.

Em Portugal, a framboesa lidera, o mirtilo está em curva ascendente e o morango decresceu. Quais as tendências e os fatores determinantes na evolução futura da produção?

É interessante a forma como coloca a pergunta pois o futuro pode ser bem diverso. Ninguém sabe bem prever o futuro, mas há dois fatores que vão condicionar todas as decisões. São eles a disponibilidade de água e de mão-de-obra. Não há muito tempo dizia-se que a produção de framboesa no sul da Europa estava condenada, dado o aumento de área plantada em Marrocos, fundamentalmente na zona de Agadir. Muita mão- -de-obra disponível a baixo custo e clima de excelência para a produção de Inverno. Eis quando deixa de chover! Será a produção de framboesa compatível com a dessalinização da água do mar? Quais as implicações nos custos de produção? Conseguirá a framboesa manter a liderança? Certo é que a produção cedo, na Primavera e tarde, no Outono, no sudoeste alentejano, continua de excelência. O mirtilo mais do que duplicou o valor exportado, de 2016 para 2018, mas com o preço médio de exportação a cair mais de 20% no mesmo período. Irá o preço continuar a cair? A única resposta correta será: provavelmente. No entanto, todos os analistas de mercado sabem que o potencial de crescimento do consumo na Europa é muito grande, pelo que a venda estará garantida.

No caso do mirtilo temos dois fatores importantes que o diferenciam da framboesa, possuiu uma vida útil após colheita muito superior e existem hoje protótipos de máquinas de colheita mecânica que são muito promissores e que poderão em breve estar disponíveis. Se tal acontecer, a produção das pequenas explorações fica condenada ao mercado interno.

 O morango com um valor de importações superior a 32 milhões de euros tem tudo para crescer, desde que não seja no período forte da Primavera de Huelva. A produção de Verão com cultivares indiferentes e a produção de Inverno têm que continuar a ser estudadas e melhorada a tecnologia de produção. A utilização de luz para alteração de fotoperíodo ou apenas como suplemento fotossintético é hoje possível, com o recurso a luzes LED de baixo consumo energético.

E quanto às culturas de nicho – amoras, goji, medronho, camarinhas, etc – que oportunidades há para as desenvolver e gerar valor na fileira?

Não incluo a amora nas culturas de nicho, pois o seu consumo pode ser aumentado vários dígitos se os melhoradores conseguirem obter frutos que o consumidor aprecie. As cultivares atuais apenas destroem o mercado, mesmo quando colhidas e expedidas de forma profissional. A qualidade organolética ainda não é suficiente para satisfazer os consumidores, embora já tenham surgido alguma cultivares promissoras. Com a introdução de novas cultivares já se observam aumentos de consumo em mercados importantes como o Reino Unido. As outras culturas referidas serão de facto culturas de nicho, necessitando de grandes campanhas de marketing para as promover e enaltecer todas as vantagens do seu consumo. Serão sempre mercados de pequenos volumes que deverão ter grande valor acrescentado. As camarinhas e o medronho ainda têm um longo percurso até à sua incorporação no mercado. O melhoramento desempenha aqui um papel extremamente importante, primeiro com a seleção de clones de elite e depois com a criação de cultivares bem adaptadas e com boas características organoléticas.

Quais os principais fatores que podem influenciar a sustentabilidade da produção intensiva de pequenos frutos em Portugal no futuro?

O fator determinante para a sustentabilidade da produção é a vontade e especialização do empresário/ produtor. As soluções técnicas existem, seja para aumentar a eficiência da fertirrega ou evitar a aplicação de produtos fitofarmacêuticos. Existem excelentes exemplos da aplicação de auxiliares nos pequenos frutos, sendo o melhor exemplo o controlo dos ácaros, onde não são precisas aplicações de produtos se as largadas forem efetuadas no momento certo e na quantidade certa. As explorações de pequenos frutos estão hoje intimamente ligadas à presença de polinizadores, sendo impressionante a sua quantidade nos momentos de plena floração. Assim, o produtor é o primeiro a querer proteger o ambiente e toda a biodiversidade que o rodeia. Do ponto de vista socioeconómico o tema muito importante é a presença de mão-de-obra estrangeira oriunda de diferentes partes do globo. Direi apenas que Portugal é um país envelhecido e apenas tem a ganhar com a diversidade cultural, lutando pela igualdade e inclusão.

Na obtenção/melhoramento de variedades quais os drivers do mercado?

Neste momento assistimos a uma explosão de programas de melhoramento públicos, semiprivados e privados. O melhoramento de cultivares fechadas em clubes com elevados custos para as empresas, tem levado à tentativa de obtenção de material vegetal próprio. Os encargos são por vezes tão elevados que na maioria das vezes compensa o investir num pequeno programa de melhoramento, em vez de dar parte do lucro às grandes empresas multinacionais. De facto todos os programas de melhoramento estão dependentes das especificações do mercado. Diria que os objetivos são todos comuns aos diferentes programas de melhoramento e específicos para cada um dos pequenos frutos, mas que de uma forma simplista se resume a obter frutos que satisfaçam o consumidor. Para isso o aspeto exterior do fruto, o seu tamanho e sabor são os fatores que o consumidor elege. Para atingir estes objetivos o melhorador tem que centrar a sua atenção em todos os fatores que influenciam a perecibilidade do fruto, tais como a manutenção da cor, firmeza e balanço açucares/ácido, isto para a framboesa. No mirtilo parece que o mercado irá eleger frutos com maior tamanho e estrutura mais firme, ou seja, mais crocantes.

2020 é Ano Internacional da Sanidade Vegetal, como vê a gestão futura do binómio pragas emergentes-resíduo zero neste setor?

Este é um tema extremamente atual. Já existem certificações para resíduos zero e esta tem sido uma tendência dos mercados europeus. O que parecia impossível há alguns anos hoje é um objetivo atingível. No entanto, obriga a um esforço acrescido para as empresas, dada a necessária qualificação técnica. O melhor exemplo de uma praga relativamente nova, e que é a mais importante para o conjunto dos pequenos frutos, é a Drosofila suzukii. O seu combate é dos mais estudados no mundo dos berries, sendo obrigatória a utilização de diferentes estratégias, sendo a mais importante e também a mais simples, a higiene do pomar. Enquanto não for permitida a luta biológica, com a introdução de parasitoides de outras partes do mundo, este é o modo mais eficaz, associado à captura em massa. Uma estratégia que tem sido estudada com sucesso na cultura do morango é a de deixar parte de um campo de morango sem ser colhido, de forma a atrair para lá as pragas. Será então nesse campo que serão feitos os tratamentos, não contaminando assim o restante pomar. Existem neste momento empresas em Espanha que estão a exportar morango com certificação de resíduos zero.

Na pós-colheita quais são as tecnologias emergentes para manter a qualidade/alargar a vida de prateleira dos pequenos frutos?

Como é sabido este é um setor de atividade em que toda a tecnologia pós-colheita é crítica para que o produto final chegue aos mercados de exportação em condições de aí ficar pelo menos mais cinco a sete dias. A maioria dos esforços tem sido feita ao nível do melhoramento com cultivares com maior período de vida útil e mais estáveis ao nível da cor e firmeza. É assim na framboesa, no entanto, ao nível do mirtilo temos assistido em Portugal à utilização de máquinas de escolha e embalamento automático que permitem uma maior homogeneidade do produto final. A utilização de embalagens novas está a ser testada com selagem automática. Estas permitem a alteração da atmosfera dentro da embalagem aumentando a vida útil do fruto. No entanto, com as alterações previstas para o uso dos plásticos na agricultura este é um tema que irá de futuro ter grandes alterações.

Finalmente, sobre o VI Colóquio Nacional da Produção de Pequenos Frutos, quantos trabalhos recebeu a organização até à data? Diria que a Investigação no setor sofreu alterações face à última edição do colóquio? Quais as tendências atuais?

O VI Colóquio Nacional da Produção de Pequenos Frutos (adido para o 4º trimestre de 2020) vai ter mais de 20 oradores distribuídos pelas diferentes culturas e áreas do conhecimento científico. Será dado destaque ao tema do colóquio “sustentabilidade da produção de pequenos frutos”, com intervenções ao nível da produção, rega fertilização, qualidade e saúde humana. Foram também aceites um grande número de comunicações na forma de painel, pelo que a parte científica do evento está assegurada. Dada a dimensão do espaço disponibilizado pela Câmara Municipal de Odemira, estamos também a organizar uma zona de expositores para que a interação entre todos os participantes seja a maior possível. Neste momento existe uma dinâmica enorme na investigação em pequenos frutos. Hoje temos diferentes grupos a estudar a framboesa, mirtilo, amora, morango, camarinha, medronho, sabugueiro… A título de exemplo temos no programa três comunicações orais em que serão apresentados estudos no âmbito da camarinha, desde os seus aspetos fisiológicos, diversidade genética e qualidade. A tendência atual é a diversificação dos estudos em todas as áreas científicas. Nas edições anteriores era dada muita ênfase às tecnologias de produção, nesta edição os temas são os mais diversos. Temos comunicações que vão desde a diferenciação floral, ao impacto do consumo de pequenos frutos na saúde do nosso cérebro.

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